Relato do Big Wall no Itabira publicado no Mountain Voices

Tempo de leitura: 7 minutos
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Publico o texto que saiu no Mountain Voices, sobre esta magnífica escalada que realizamos em maio.
Aqui vão algumas fotos, e em outro post vão mais outras. E mais pra frente sai a videorreportagem.

Valeu parceiros que estiveram presentes nessa empreitada, e a galera que mandou força pra gente!




BIG WALL NO ITABIRA

Primeira repetição da via Face Nordeste, depois de 12 anos de sua conquista.


Montanha símbolo da escalada no Espírito Santo, a imponente agulha do Pico do Itabira – que em Tupi significa pedra (Ita) empinada (Bira) – desponta na paisagem da cidade de Cachoeiro de Itapemirim, podendo ser observada por diversos ângulos ao se cruzar a BR 101, ao sul do estado.


O Pico do Itabira. Foto Oswaldo Baldin.


Foi no Itabira que inaugurou-se a escalada no estado, com a conquista da via Silvio Mendes em julho de 1947. Uma escalada com dificuldade extrema para a época de um montanhismo heróico e aventureiro, onde Silvio Mendes e seus companheiros galgaram os 550 metros da face de maior extensão da montanha. Mais tarde, em 1960, Patrick White, Mauro de Andrade e Gilberto Pimentel conquistaram um grande sistema de chaminés e fendas usando cunhas de madeira, pitons, e somente nove grampos fixos pelos 300 metros de escalada, batizando a via de Chaminé Cachoeiro.


Grampo ‘pé de galinha’ de 1947, usados até hoje! Foto Oswaldo Baldin.


Muitos anos se passaram após a conquista das duas primeiras vias do Itabira. Em uma nova fase, com equipamentos super modernos, a montanha veio a ganhar mais uma via, desta vez na verticalíssima Face Nordeste, que possui uma bela coloração alaranjada e conta com alguns trechos negativos. Esta conquista foi concluída em 1999 por Luciano Bender, Marcel, Bidu e Magno Santos, seguindo um sistema de diedros com predominância em escalada artificial, resultando em uma via de Big Wall com graduação em 6° A2+. E a via mais recente do Itabira é a Chaminé Edilso Debarba, conquistada por um grupo de treze participantes da UNICERJ após quinze investidas e finalizada em agosto de 2005.


Vivências e realizações no Itabira

Desde quando iniciei na escalada, sempre ouvia as fascinantes histórias sobre as antigas conquistas e repetições das vias do Itabira. Escaladas narradas e escritas sempre com muita aventura, e algumas das vezes envolvidas com situações curiosas resultadas de algum imprevisto/perrengue. E isso sempre aflorava minha curiosidade e vontade de estar lá, escalando nesta histórica montanha e vivenciando estes fatos.

Então em abril 2000, quando estava dando os primeiros passos no viciante universo da escalada em móvel, resolvi tentar chegar no cume desta montanha pela Chaminé Cachoeiro. Ainda com pouquíssima experiência com o equipo móvel, mas com muita vontade e disposição, parti guiando todas as enfiadas da via, assegurado pelo parceiro Lucas Porto. Foi uma experiência muito marcante na minha vida como escalador, pois me exigiu bastante no aspecto físico e psicológico, e me fez ter uma grande clareza do que era o verdadeiro espírito da escalada tradicional. Para descermos daquele maravilhoso cume optamos em rapelar pela via Face Nordeste, que havia sido conquistada a pouco tempo. E ao descer fiquei maravilhado pela beleza daquela linha, e me senti novamente atraído, para um novo desafio naquela montanha.


A Face Nordeste do Itabira. Foto Oswaldo Baldin.


Os anos foram se passando, e fui adquirindo mais metragens na escalada em móvel nas suas vertentes livre e artificial, e me senti encorajado para entrar naquela via de Big Wall do Itabira. Por duas vezes tentei, mas em ambas investidas não passei da primeira enfiada. Na primeira tentativa estava com o Eduardo RC, e por uma questão de logística não obtivemos um bom resultado. Depois com o Márcio ‘Piveti’, que tomou uma picada de marimbondo e teve reação alérgica, que nos obrigou a abandonar a montanha às pressas.

A Face Nordeste não saíra da minha mente, e era o meu principal objetivo de Big Wall no Espírito Santo. Foi quando estipulei uma nova data, o feriado de abril de 2011 com quatro dias reservados para a empreitada. Desta vez trazendo na bagagem mais experiência, e acompanhado dos parceiros Paulo Henrique Munhoz ‘PH’ e Sandro Souza, que também se sentiram atraídos pelo desafio e dispostos a dividir a ponta da corda. E completando a equipe contamos com o apoio fundamental dos amigos Fabio Guerra e Allan de Souza, que nos ajudaram com toda a logística.

No dia 21 de abril transportamos os 150kg de equipamentos para o acampamento base, que fica bem aos pés da muralha da Face Nordeste. De um mirante pudemos observar com clareza toda a linha da via que estávamos prestes a subir. Uma miscelânea de sensações tomava conta de nós. Ao mesmo tempo que a beleza da parede nos atraia para a escalar, nos intimidava, tamanha sua imponência. A parede era negativa, mas o pensamento, sempre positivo!

Rumo a base. Foto Oswaldo Baldin.


O pontapé na escalada foi dado pelo PH, que partiu pela primeira enfiada a fazendo em artificial, para dar um treino nessa técnica. Usou muitos friends até que a fenda foi se estreitando, e continuou em furos de cliff para direita até um grampo. Nesse ponto passou a ponta da corda para o Sandro concluir a enfiada. Como o dia estava chegando ao fim, no escuro o Sandro não achou de forma alguma o próximo furo de cliff para prosseguir em artificial, como constava no croqui. Então fez o restante da enfiada em livre, terminando sob as luzes do headlamp. Durante o jantar – sempre com um bom rango noturno – refletimos sobre o tempo que gastamos para a primeira enfiada, e vimos que a progressão seria mais lenta do que havíamos planejado.

PH na transposição das fendas da primeira enfiada. Foto Oswaldo Baldin.

Na manhã seguinte o Sandro subiu para dar continuidade, e assegurado pelo Fabinho (que ficou 9h pendurado numa parada desconfortante) saiu para se deliciar com os lances aéreos e em livre do diedro da segunda enfiada, usando friends médios, pequenos e TCU’s. Até que a fenda foi se estreitando ao ponto de entrar somente pitons. Pegou então os estribos e continuou em artificial, mesclando pitons, furos de cliff, um RUP no caminho, e fechou a enfiada novamente a noite. Mais um dia cheio, para progredir 50 metros de escalada.

Sandro na bela segunda enfiada. Foto Oswaldo Baldin.


No terceiro dia, como sempre, o despertador tintilou às 4 horas. Nos revezamentos das guiadas, chegara minha hora. Junto com o PH no mini platô da P2 ajeitei as tralhas e parti para a próxima enfiada, que iniciou em um diedro formado por uma grande laca solta, onde tive que administrar as proteções para não expandi-la. Progredi pelo diedro até ele se estreitar e acabar, e dali em diante foi uma longa seqüência em furos de cliff, sempre seguindo em diagonal para esquerda, que objetivava chegar na base do imenso diedro da via. Foram muitas passadas em cliff, onde a maior dificuldade era achar alguns furos que se confundiam (e desapareciam) por conta da coloração da rocha. Cheguei na P3 no meio da tarde, já no quarto dia do feriado. Nosso prazo para permanecer na montanha acabara, e havíamos progredido três, das cinco enfiadas da via. Saímos da montanha já deixando uma data estipulado para o retorno.

Baldin iniciando a terceira enfiada. Foto Paulo Henrique Munhoz.


Duas semanas depois rumamos novamente para o Itabira, dessa vez um pouco mais leves por termos que carregar menos água. Fizemos a aproximação à noite, chegando ao acampamento base as 2 horas da madrugada. Só esticamos as redes para um cochilo, e as 4 horas já estávamos de pé novamente para iniciar os trabalhos. Eis que tivemos uma desagradável surpresa: um infeliz cortou os metros iniciais da corda que havíamos deixado fixa na parede. Para solucionar o problema e recuperar a ponta que estava bem em cima, perdemos um tempo valioso. O Fabinho improvisou um engenhoso clip stick com um jumar na ponta, e resolveu o contratempo.

A verticalidade da parede. Foto Sandro Souza.


Estava muito afim de guiar a quarta enfiada, por ser o crux (psicológico) da via. Com o haval dos parceiros fui desfrutar do diedrão da enfiada, onde fiz uso de nuts, muitos friends e TCU’s. Na parte de cima do diedro existe um grampo, e depois desse, chegara a hora de usar pitons de lâmina, encaixar um ultimo TCU e partir para o crux da via, que são 13 passadas em cliff – sem proteção – em uma barriga negativa. Fui bailar nos estribos procurando cada um dos furos, progredindo, e curtindo a exposição do lance, que poderia resultar numa queda não agradável de uns 20 metros. Cheguei na aérea P4 feliz da vida: havíamos feito o maior trecho da via e agora o cume estava bem perto.


Baldin finalizando o crux da via e PH na segue. Foto Sandro Souza.


No nosso ultimo dia de escalada (08/05/2011) o PH seguiu pelos furos de cliff da quinta enfiada, que são intermediados com grampos em uma rocha vertical. Estávamos todos muito animados por já avistar o teto que marca o final da via. Como aconteceu comigo na terceira enfiada, o PH gastou também tempo extra procurando alguns furos que insistiam em se esconder de seus cliffs.

O trabalho em equipe, a harmonia na parede e a escalada fluindo. Foto Fábio Guerra.


O sol já estava querendo se esconder no horizonte, quando o Sandro seguiu para os últimos metros da via, escalando em livre já a noite. Ouvimos seu grito de alívio, que marcara que o nosso objetivo estava cumprido. Chegamos todos debaixo do grande teto as 21 horas, finalizando a via, e tendo realizado a primeira repetição da Face Nordeste, 12 anos após ter sido conquistada. Com mais uma travessia horizontal e um trecho de caminhada pisamos na parte mais alta do Itabira as 22 horas, com uma imensa sensação de dever cumprido. Um sonho, finalmente realizado.

O cume: cansaço X gratificação. Foto Oswaldo Baldin.

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3 Responses to “Relato do Big Wall no Itabira publicado no Mountain Voices

  • belo relato! em 2010 estive com uma galera do CEC, incluindo o jean pierre, para repetirmos a chaminé cachoeiro em homenagem aos 50 anos da via… infelizmente muitos trechos das chaminés foram tomados pela vegetação… dificultando e atrasando a progressão.. abortamos a missão de P6. O patrick white nos recepcionou na base da via. O relato está aqui: http://www.carioca.org.br/2010/09/chamine-cachoeiro-pico-do-itabira/

    Abs,
    Gustavo Soares

  • Olá Gustavo.
    Acompanhei o relato na época que vcs estiveram lá… realmente foi um marco ter lá o conquistador 50 anos após a conquista. Mt legal.
    Escalei a Chaminé Cachoeiro em 2000, e naquela época já tive dificuldade com as vegetações na via, realmente 10 anos depois deve está complexo passar por lá.
    Grande abraço.

  • Pessoal, parabéns pela escalada. Fiquei feliz em saber que finalmente uma equipe tenha repetido nossa via. A verdade é que depois que a concluímos, nunca mais voltamos para fazer a repetição e analisar o que havíamos feito. Ao ler o relato, percebi a dificuldade de achar os furos de cliff que fizemos. Pergunto: qual foi a dificuldade, avisualização, ou estavam cobertos por líquem? Eu e Luciano estamos indo ao ES este mês para escalar. Mais uma vez parabéns, e meu email para contato é este:marcelleoni@hotmail.com

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