Água mole e pedra dura, tanto bate até que fura… e isso dá via!

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Sarah se refrescando na via H²O.

Das ultimas vezes que fui escalar em Cachoeiro de Itapemirim (ES) – pelas bandas do Complexo do Itabira – e encontrava com o Kinkas (escalador nativo), ele sempre me falava para entrar em uma via que havia conquistado nas proximidades da Cachoeira da Concórdia, a uns 20min do centro da cidade. Dizia que era uma linha bonita, em que um córrego de água passava ao lado da via, do cume à base, pelos mais de 300 metros de parede. Mas acabava que conhecer a via ficava no ‘deixa pra depois’, até porque, sempre que me topava com ele, vinha a ser no ultimo dia de trip por aquelas bandas, e ai nunca sobrava tempo de ir na tal via da água…

Segundo ele, esta água foi a grande salvação durante o verão, época ingrata em que conquistaram a via. Digo ingrata porque se tratando de verão em Cachoeiro, pode considerar um calor insuportável! A cidade se destaca no ranking como uma das mais quentes do ES.

Baldin se hidratando na via.

Em companhia com sua esposa Valéria, realizaram várias investidas na Pedra da Concórdia para conquistar a via, e se refrescavam-se na água entre um grampo e outro. Durante a ultima investida, enquanto lá estavam no suor da grampeação da via, lá em baixo em um bar no vilarejo de Concórdia – que fica de cara pra via – os pinguços de plantão apostavam que eles não iriam conseguir chegar ao cume daquela parede. Para torcerem a língua (e perderem a aposta), ouviram lá do cume os tiros de morteiro soltos pelo casal. Quando os dois desceram e passaram pelo bar, foram parados e presenteados com o fruto da aposta: 10 cervejas! E por lá ficaram, um bom tempo narrando sobre a empreitada de conquistar a Pedra da Concórdia.
Fred nos agarrões da quarta enfiada.
Pois bem, o feriado de Corpus Christi estava desacreditado pelas bandas de Vitória, pois o tempo estava horrível: nublado e chuvoso. O feriado se passava e nada de escalada, até que na noite do sábado resolvi bater um telefonema para o Kinkas, e saber como estava o tempo por Cachoeiro de Itapemirim. Como nativo da região, confirmou bom tempo para o domingo. Booooa, pelo menos uma escaladinha no feriado, e desta vez na via tão falada.

As 5h do domingo partimos em quatro de Vitória: Sarah, Fred, André e eu. Geralmente o acesso a montanha na grande maioria das vezes vem a ser a parte mais perigosa da escalada, em se tratando de estrada e automóveis… e com Fred no volante a adrenalina vai a mil, pois com apenas 1:10h já havíamos percorrido os 130km que separa Vitória de Cachoeiro! Passamos na casa do Kinkas, o colocamos no carro e rumamos para a Cachoeira de Concórdia.

A linha da via H²O na A Pedra da Concórdia.
A estrada de terra que dá acesso a pedra termina em um terreiro que é quintal de duas casas, onde deixamos estacionado o carro, e pedimos autorização aos moradores para entrar em suas terras. Deste local dá para avistar perfeitamente a linha da via: a parede é toda coberta por bromélias, e em uma linha na parte central da parede existe um único ‘caminho’ sem vegetação, que rasga de baixo em cima. É a única e perfeita linha: muito óbvia. E é possível observar também se a água esta escorrendo pela parede. Segundo Kinkas, em tempos atras os moradores disseram que a água era potável. Então, se quiser não levar o cantil parede acima, pode dar uma bicada nela com facilidade a partir da segunda enfiada, onde a via passa bem próximo a água.

A partir do quintal, subimos por uma estrada no cafezal e depois bem da reta da via, subimos e entramos na mata. Apesar de não ter uma trilha batida na mata, o percurso é óbvio: é só tocar na reta da via. Com uns 30min se faz esta aproximação a partir de onde se deixa o carro.

André dividindo a agarra com o córrego de água.
Dividimos o bando em duas cordadas: na frente fui com Sarah revezando na guiada, e na outra cordada vinha Fred guiando, com André e Kinkas na sequência. O dia estava bonito, céu limpo e ensolarado, com um clima fresco totalmente agradável para se escalar. Esta foi a prova, na prática, de que realmente estamos na temporada da escalada – principalmente para se fazer paredes -, pois escalar com sol em Cachoeiro geralmente é um martírio (como foi apresentado), e desta vez, o sol não incomodou em nada.

Com a rocha meio úmida, Sarah saiu guiando a primeira enfiada, que achamos ser a mais difícil da via, com lances técnicos em aderências e regletes (V+). Depois sai guiando a segunda enfiada, onde rola umas aderências (V) e tem que sair da linha da via para costurar um grampo bem na direita (é válido descosturar ele depois, para diminuir o atrito), e em uma barriguinha, se faz uso de dois cliffs para vencê-la e dominar a parada. Esta barriga dá pra mardar em livre, e deve dar algo na casa do 7º alguma coisa.

Kinkas na sua maneira explosiva de comunicação com a população.
A terceira e quarta enfiadas são tranquilas (IV). A quarta com uma fartura de agarrões que até se fica na dúvida de quais usar. Depois a via volta-se a ter dois lances mais técnicos na quinta enfiada, em duas barriguinhas (V).

Nas duas ultimas enfiadas, realmente dá pra entender porque o nome da via tinha quer ser algo como H²O. Na sexta enfiada se passa em um lance onde já se começa a usar agarras onde a água ta passando. E a ultima enfiada, apesar de bem facil, é escalada boa parte dentro do córrego de água: nada de magnésio, é mão e sapata na água e toca pra cima que lá vem cume!

Os componentes da escalada: Sarah, Baldin, Fred, André e Kinkas.
E para nossa surpresa o final da via termina em um… pasto! Andando uns 100m nesse pasto, é possível avistar o Frade e a Freira de um ângulo curioso e diferente do que estamos acostumados a ver nos cartões postais do ES.
Clique para ampliar o croqui.
Realmente o Kinkas estava certo em falar tão bem desta escalada. Uma via agradável e bonita de se fazer, e com esta particularidade do corrégo cortando a parede. Nestes três anos depois da conquista, a via havia recebido a pouco tempo sua primeira repetição, por escaladores de Iconha (ES), e agora estivemos lá fazendo sua segunda repetição. Espero que nos próximos três anos uma quantidade bem maior de escaladores passem por lá, porque a via é totalmente recomendada.
Kinkas… detalhe no tênis de futsal, e também de escalada.
Deixo aqui meus parabéns ao Kinkas pela conquista desta via, e das outras várias pela região de Cachoeiro de Itapemirim, deixando belas linhas tradicionais para serem usufridas. Este figura conquistou muitas destas em solitário, e sempre usando o velho – e pra ele não ultrapassado – kichute. O sujeito diz que não usa sapatilha pq não se adaptou e que acabam deixando a escalada mais fácil. Cada um com seu cada um, né?! E nesta escalada ele nos apresentou seu novo equipamento: um tênis de futsal!


4 Responses to “Água mole e pedra dura, tanto bate até que fura… e isso dá via!

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