Patagônia 2008 – Agulha Poincenot

Tempo de leitura: 5 minutos

Por Edemilson Padilha

Dois dias depois da aventura na Agulha Rafael, Edemilson Padilha e Valdesir Machado pisam o topo da belíssima Agulha Poincenot pela sua face oeste, e logo, em meio fortes ventos e nuvens carregadas, rapelam para o outro lado, realizando assim esta impressionante travessia.

Agulha Poincenot (Face Oeste)

Os rapéis, sempre os rapéis que nos fazem sentir mais medo. Na Patagônia sempre há complicações: paradas pouco confiáveis, pedras soltas, cordas presas na fendas,…E desta vez tínhamos um agravante: uma tormenta se formando no oeste. Já não víamos o Cerro Torre, envolto em nuvens pesadas. Nossa única alternativa era conseguir encontrar o próximo rapel, porém, depois de mover-me de um lado para outro, 400 metros abaixo do cume, tomei a decisão de continuar descendo em uma linha reta para baixo. Dois rapeis depois, percebo que estamos indo diretamente para a face sul, impossível de rapelar pela negatividade. Não conseguíamos tirar os olhos das nuvens que se acercavam, prontas para engolir a Agulha Poincenot; nossos nervos a ponto de explodir e o instinto de sobrevivência trabalhando a 100%!

Dois dias antes havíamos escalado a Agulha Rafael Juarez, e enquanto descíamos olhávamos para a imensa parede sudoeste, onde está localizada a via Fonrouge, porém não conseguimos identificar seu traçado. Chegamos ao Bivaque Polaco, nosso Acampamento Base Avançado, quando havia acabado de anoitecer. Jantamos e dormimos até a metade do dia seguinte, que confirmava o impressionante prognóstico: mais um dia de tempo bom; já era dia 24 de janeiro e desde que chegáramos, no dia 17, o tempo se apresentava favorável. Dia de descanso do corpo significa dia de “queimar” a cabeça. Passaram mil coisas por nossas mentes naquelas sofridas horas de espera que antecederam a decisão de escalarmos a face oeste da Poincenot, como a aproximação perigosa e noturna, um serac (imenso bloco de gelo) pendendo quase na base da via de 800 metros e pouco repetida, e claro, os rapéis pela face leste, que não conhecíamos. Pelo prognóstico teríamos somente o dia seguinte de bom tempo, o que implicaria aproximação noturna, cume à tarde (de preferência sem perder-se na via) e rapéis noturnos…

25/01, 2:00AM, soou o despertador. “Val, tá na hora. Que horas são? Duas. Vamos dormir meia hora mais. OK.” Como se mais hora fosse fazer alguma diferença…Saímos às 3 da madrugada e seis horas depois de deixarmos o conforto de nossa barraca, alcançávamos a base da famosa via Carrington/Rouse, na face Oeste da Agulha Poincenot. Em uma aproximação estilo filme de terror, com muitas pedras soltas, passagens de 4º e 5º graus sobre o vazio, cordas velhas fixas.
Na base da via reprogramamos nossas cabeças e entramos em modo escalador. Como máquinas, escalávamos o máximo que conseguíamos em simultâneo, ou seja, os dois ao mesmo tempo- estilo em que não pode passar pela cabeça a possibilidade de queda, principalmente do segundo, pois puxaria o primeiro. Eu ia adiante e confiava em meu companheiro Val, que me seguia 60 metros abaixo; colocava proteções a cada 10 ou 20 metros, monitorando o rack para não ficar com peças de um só tamanho, dava preferência para colocação de stoppers, guardando os friends para armar as paradas. Em alguns trechos mais fáceis e sem fissuras lembro de escalar mais 30 metros sem proteções! Quando as peças estavam por terminar, armava uma parada, aproveitava para tirar fotos e comer uma barra de cereal. Em poucas horas atingiríamos o final da primeira rampa de 400 metros e começaríamos a busca pela continuação da rota, que se juntava com a via normal, na face sul da montanha. A dificuldade maior neste ponto foi encontrar a via em meio a milhares de possibilidades que a imensa parede oferecia. Provavelmente escalamos por muitos trechos que não pertenciam à via original, pois nos deparamos com lances muito mais difíceis que as graduações indicadas no croqui. Às 19 horas pisamos no cume da Agulha Poincenot, depois de 10 horas de escalada; estávamos cansados e sendo açoitados pelo vento proveniente do oeste que trazia consigo um mar de nuvens negras, prenúncio de tempestade! Fotos com sorrisos tensos são as recordações mais nítidas em minha mente. Lembro-me também das pedras que caíram em um dos rapéis logo abaixo do cume, enquanto recuperávamos a corda e do esforço que tive que fazer para me concentrar nos rapéis, pois não conseguia parar de olhar para o oeste, de onde estavam vindo as nuvens. Ato contínuo: rapelar, recuperar a corda, colocá-la em um saco de corda, rapelar,…até que percebi que havíamos descido demais, direto para a parede sul, a qual impossibilitava a descida por sua negatividade. Os nervos já estavam por explodir, tivemos que escalar novamente o trecho que havíamos descido, pedi para o Val que olhasse mais para o leste, para tentar encontrar os rapéis da via Williams, foram momentos intermináveis, até que ele fez um sinal positivo com a mão, pois já não escutávamos o que outro falava devido ao forte vento. Passar para o leste foi como desligar um ventilador gigante, de repente tudo era calmaria. Bom, nem tudo, afinal, na Patagônia tudo tem seu preço. Com tantos dias de tempo bom, o gelo começa a derreter, as pedras descolam, tudo fica instável, e a rampa de gelo de 400 metros que começávamos a descer não era exceção. Esforçamo-nos para manter-nos despertos e nos alegrávamos quando a corda caía sem se enroscar em nada. Com a lanterna buscávamos as fitas coloridas dos rapéis já armados e enfim chegamos ao último problema: o ponto onde os rapéis acabam e dão lugar a uma travessia confusa e delicada sobre o abismo. Havia duas opções: rapelar por debaixo de serac ou transversionar por cima. Vi algumas marcas na neve e optei pela segunda opção, segui uma linha horizontal até uma greta que por sorte possuía uma neve mais dura. Desde aí assegurei meu companheiro e depois segui transversionando até uma pedra que estava colada na neve justo onde acabava a corda. Depois de 24 horas de atividade, encontrar o melhor caminho entre as muitas gretas do Passo Superior enterrando-se até o joelho só não foi pior porque de repente fomos inundados pela luz da lua. Houve um momento, quando já havíamos passado a pior parte, em que nos sentamos e dormimos uns 20 minutos. Aos poucos foram surgindo mais e mais pegadas na neve, que nos conduziriam a terreno seguro: as covas de gelo (Acampamento Base Avançado para o Fitz Roy e Poincenot pelo leste).

No meio daquele mar de gelo o que eu mais queria era encontrar dois escaladores conhecidos que estivessem vindo em sentido oposto e que nos oferecessem seus sacos de dormir para que pudéssemos descansar antes de voltar para El Chaltén, e foi exatamente isto que aconteceu: encontramos Kike e Martim a 20 minutos das covas de gelo e nos ofereceram seus sacos de dormir em agradecimento às informações que demos, pois tentariam a via pela qual havíamos descido. Isto não foi tão surreal quanto chegar em El Chaltén e nos avisarem que a janela de bom tempo prosseguiria! E o Gabi (nosso companheiro de escalada argentino) com o pé quebrado, pescando e passeando por El Chaltén todos aqueles dias de céu azul, que azar! Mas a vida é assim, cheia de surpresas…

Escaladores: Edemilson Padilha e Valdesir Machado

Patrocínio: Snake, Conquista, Território

Fonte: http://www.conquistamontanhismo.com.br/aventure_se/montanhas.php?id_not=98

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