Alpinistas relatam mudanças climáticas

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Por Afra Balazina – O Estado de S. Paulo

O alpinista Rodrigo Raineri, com 41 anos de idade e 20 anos de escaladas, venceu o Everest em 2008 e já liderou 11 expedições ao Aconcágua, a maior montanha das Américas, chegando ao cume seis vezes. Além de experiência, ele acumulou conhecimento sobre as montanhas cobertas de neve e pôde notar, na prática, as mudanças decorrentes do aquecimento global.

A pedido do Estado, ele e outros alpinistas brasileiros relatam as alterações mais perceptíveis e chocantes nos picos mundo afora. Raineri recorda primeiro das mudanças que observou na Bolívia, na região da montanha do Condoriri, onde ele ministrava cursos de escalada de gelo. “Havia um ponto em que terminava a trilha e a gente entrava no glaciar. Daí, a gente tinha de subir muito, havia paredes de 30 metros. Depois de 15 anos, o ponto de entrada no glaciar estava muito lá para frente, já havia retrocedido bastante, e essas paredes agora não existem mais, a gente não consegue dar a parte de escalada vertical nesse lugar, tem de ir para outro ponto.”

Silverio Nery, de 54 anos, presidente da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME), também tem um caso para contar da Bolívia. “Eu frequentei Chacaltaya (um pico da Cordilheira dos Andes) por muitos anos. A gente subia de carro até certo ponto e, depois, ia de cabo até o alto. Mas já faz uns cinco anos, se não for mais tempo, que não tem neve suficiente para esquiar.”

Raineri lembra também que em 1993, quando foi pela primeira vez ao Aconcágua, na Argentina, perto do acampamento base havia muitos “neveiros”, pontos onde a neve se acumula durante o inverno e que, no verão, os alpinistas derretem para fazer água. “Hoje em dia os “neveiros” são raros e o glaciar retrocedeu muito”, diz.

“Minha percepção, não sei se estou certo ou errado, é que os pontos que sofrem mais com o aquecimento são os que estão na transição de temperaturas abaixo de zero para acima de zero.” Ele explica o raciocínio: “Quando o cume de uma montanha está sempre a uns 15°C abaixo de zero, se aumentar 2°C vai para -13 °C, continua com temperatura negativa. Porém, se o lugar sai de -1°C para 1°C, deixa de ter gelo e passa a ter água”.

O médico e guia de montanha Manoel Morgado, de 54 anos, vai há 20 para o Nepal, no acampamento base do Everest, e já levou 45 grupos para lá. “Vou de duas a três vezes por ano, então vejo gradualmente as mudanças. Dá para notar retração de glaciar em todos os lugares em que passo”, afirma.

No ano passado, ele esteve na montanha Huayna Potosí, na Bolívia. “Lá tinha uma marcação de um ano atrás e havia retração de 2 metros. Eu noto que, nas montanhas mais próximas do Equador, essa retração está sendo mais rápida.”

Mais arriscado. Algumas escaladas têm ficado mais difíceis com as mudanças climáticas. Segundo Nery, na Cordilheira Branca, no Peru, todas as montanhas estão mais complicadas de escalar por causa do degelo. “Hoje em dia existe risco grande de queda de bloco de gelo. A escalada passou a ser muito mais arriscada”, afirma.

A melhor época para subir algumas montanhas também mudou. Raineri analisou cuidadosamente as estatísticas das expedições anteriores, antes de tentar escalar a parte sul do Aconcágua com Vitor Negreti, em 2001. “As expedições que tiveram sucesso tinham ocorrido em fevereiro. Mas chegamos lá neste mês e o gelo tinha derretido. Escalamos dois terços da parede, porém muitos trechos que deveriam ser de escalada em gelo viraram escalada em rocha podre, que esfarela. Ficou bem mais complicado”, diz.

A dupla resolveu voltar para casa, preparar-se mais e retornar para o Aconcágua em dezembro do mesmo ano. “Deu certo e conseguimos chegar ao cume no dia 2 de janeiro de 2002.”

Lixo. Além de sofrer com o degelo, muitas montanhas têm ficado sujas com o aumento da visitação. “Estive nos campos 2 e 4 do Everest no ano passado e achei a situação deprimente. Vi muitas embalagens plásticas, de comida industrializada, cartuchos de gás de cozinha e até cilindros de oxigênio, que são caros e, mesmo vazios, valem bastante”, conta Morgado. Para minimizar o estrago, em muitas montanhas agora há cobrança de multas de quem não traz de volta seu lixo.

COMO ESCALAR SEM DEGRADAR O AMBIENTE

Traga seu lixo de volta

Se você pode levar uma embalagem cheia, pode trazê-la vazia na volta. Embalagens vazias pesam pouco e não ocupam espaço na mochila. Não queime nem enterre o lixo. As embalagens dificilmente queimam completamente, e animais podem cavar até o lixo e espalhá-lo.

Evite fazer fogueira

Fogueiras matam o solo, enfeiam os locais de acampamento e representam uma grande causa de incêndios florestais. Para cozinhar, utilize um fogareiro próprio para acampamento. Os fogareiros modernos são leves e fáceis de usar. Cozinhar com um fogareiro é muito mais rápido e prático que acender uma fogueira.

Vegetação

Durante a escalada, evite se apoiar ou arrancar a vegetação das paredes. Toda vegetação que se desenvolve sobre paredes rochosas enfrenta o desafio de sobreviver em um ambiente extremo, em que há pouca água e o clima pode ter variações intensas de temperatura e ventos fortes. Essa vegetação dificilmente suporta maiores desgastes, como o pisoteio e o atrito.

Cada coisa em seu lugar

Não construa nenhum tipo de estrutura, como bancos, mesas e pontes. Não quebre ou corte galhos de árvores, mesmo que estejam caídos, pois eles podem servir de abrigo para aves. Veja mais dicas no site pegaleve.org.br.

Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110313/not_imp691243,0.php

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