As polêmicas das expedições comerciais
O alpinista e explorador sueco Janne Corax, da equipe Bestard, se tornou conhecido depois de sua ascensão a um 6.000 virgem após 500 kilômetros de aproximação andando. Agora apresenta uma reportagem na qual, mais uma vez, questiona a ética de muitas das empresas mais “piratas” que organizam expedições comerciais, e como sua busca por dinheiro fácil e o negócio tem feito que nas grandes cordilheiras do mundo se esteja perdendo o primeiro valor do alpinista: a ajuda ao que está em apuros acima de qualquer coisa. Sem essa essência, o alpinismo está tocado de morte.
Janne passoo todo o inverno no Tibet, subindo picos virgens, explorando regiões remotas. A ascensão ao Kangzhagri após 50 dias de aproximação, foi uma só das múltiplas atividades que o alpinista sueco realizou no inverno tibetano.Porém nesta ocasião, o tema da reportagem não está centrado em suas atividades. Janne investigou e entrevistou todos os envolvidos nos obscuros fatos que aconteceram na temporada passada no Muztagh Ata, quando vários coreanos se ficaram presos em más condições nos campos de altitude. E mais uma vez, as expedições comerciais tiveram um comportamento no mínimo duvidoso. Mas outros alpinistas reagiram como se deve. Uma boa mostra do que é o alpinismo hoje em dia: uma mescla entre antigas éticas e novos consumismos:
Resgatadores e resgatados reunidos após o ocorrido
Lançavam pequenas notas des sua barraca, nas quais estava escrita a palavra “HELP”, e os alemães também havíam recebido uma nota escrita em coreano. Um austríaco também os havia visto no campo 3, mas não entendeu o que os coreanos queriam lhe dizer.”
Companheiros de ascensão: “Não sabemos se estão vivos ou mortos”
Comecei a me preocupar e tratei de falar com a menina coreana para organizar uma equipe e subir até o campo 3 para ver o que é que estava acontecendo. Por alguma razão, ela duvidava, mas ao final o assunto foi comentado com alguns porteadores de altitude. Tudo se complicou porque eles pediam 100 dólares, além das jaquetas e botas, e uma forte discussão se desencadeou, rompendo a negociação.
Mas eu pensava que tudo havia acabado bem, e que os porteadores e os coreanos haviam chegado a um acordo, mas no dia seguinte nada tinha ocorrido. Desci ao campo base para saber se alguém tinha alguma notícia ou mais informação sobre o que realmente estava ocorrendo na parte alta da montanha.
Ninguém sabia nada a respeito, ninguém manifestou interesse em saber mais da situação, e acabei sozinho para juntar um grupo de resgate. Tentei convencer os membros de uma expedição comercial na qual eu conhecia a maioria.Meus requerimentos foram contestados com um montão de estúpidos argumentos como: “não sabemos se estão vivos ou mortos”, ou “quem sabe suas famílias queiram que seus corpos permaneçam ali em cima.”
Os coreanos estavam a 6 dias sem comida e sem água
“Comecei a subir no dia seguinte. Em um descanso justo acima da cascata de gelo, encontrei Maksim Max, um guia de montanha russo, com seu cliente, um americano. Estavam ajudando a descer dois coreanos exaustos.
Me disseram que um havia morrido mais acima. Em um esforço conjunto com Max, um de seus clientes, e alguns alpinistas mais, conseguimos descer os coreanos pela cascata de gelo. Me comentaram que haviam estado 6 dias sem comida e sem água.”
Maks: “Saindo de uma barraca enterrada, um homem andava em nossa direção pedindo ajuda”
Maksim “Max” Bogatirev, guia de montanha profissional e membro da equipe de resgate de Maykop, na Rússia, nos conta a seguinte história:
“Em 15 de julho, Antony Piva e eu realizamos uma tentativa ao cume desde o campo 3. Durante toda a noite esteve nevando forte, e nossa barraca havia sido totalmente coberta pela neve. Todos os demais haviam descido ao campo base, mas nós decidimos tentar o cume. Nosso acampamento estava a 6.700 metros.
Saímos às 6 da manhã. A neve tinha um metro de profundidade. Em 10 minutos conseguimos andar apenas 20 metros. Vimos barracas a 6.900 metros. Estavam enterradas embaixo da neve. Um homem saiu andando, e nos pediu ajuda.”
Ninguém se ofereceu para ajudar, exceto um chinês e um sueco
“2 de seus amigos permaneciam na barraca ao lado. Ambos estavam inconscientes. Tivemos que descê-los muito rápido. Colocamos o mais enfermo dentro de um saco de dormir, e em cima de uma esteira isolante, e o fixamos com cordas.
O homem que nos havia pedido ajuda me fez prometer que voltaríamos para buscar ele e seu amigo.Começamos a descer o montanhista coreano. O deixamos no campo 2, a 5.400 metros, e voltamos para buscar a segunda pessoa, e posteriormente, com o mesmo procedimento, a terceira. Foi mais fácil que com o primeiro, porque havíamos feito a trilha na neve.
Ninguém nos ajudou até o campo 2. Dois alpinistas chineses nos deram uma mão desde os 6.000 metros.Vimos a barraca de Stefan na parte alta da cascata. Nos acenou e gritou: “posso ajudar?”. Foi horroroso: ninguém até este momento queria nos ajudar. Nos deu uma força para descer pela cascata a pessoa mais enferma.
Os escaladores estavam presos no campo 3. Quando os encontramos, estavam sem comida e sem água durante 6 dias. Dois se encontravam inconscientes.Alguns dias depois, encontrei o corpo do quarto coreano na parte alta da montanha.”
Janne: A essência do dinheiro rápido
Toda a montanha estava cheia de alpinistas, mas Max disse que foi muito difícil conseguir ajuda de alguém. Perguntou pra alguns poloneses, mas a resposta foi que não podiam, “porque não tinham forças”.
O veterano do Muztagh Ata Sasha Nishikin estava no campo base, e quando se informou da situação, guiou o seu grupo de 10 australianos para cima para ajudar. Este grupo foi o que desceu o último coreano do campo 1 ao base. O segundo deles havia sido ajudado por alguns suecos.
Uma das últimas frases que me enviou Maksim foi: “Os alpinistas russos jamais abandonam os seus camaradas que estão morrendo. É uma regra.”
Se esta fosse a regra para mais alpinistas, chefes de expedição, porteadores, e de qualquer pessoa na montanha, teríamos uma situação muito diferente nas montanhas do mundo. Infelizmente, não é o caso hoje em dia. Há muitos exemplos, os mais conhecidos têm acontecido no Everest.
Nas “montanhas comerciais” há muito mais que o simples espírito do montanhismo. Como há um montão de alpinistas sem nenhuma experiência que querem subir os picos mais altos, os provedores têm uma grande responsabilidade. Muitos são sérios a respeito deste tema e fazem um bom trabalho, mas há muitos outros que só buscam a essência do dinheiro rápido.
Uma cabra viva teve que ser levada até o campo base para ser sacrificada
O Muztagh Ata não é uma exceção. Os exemplos mais significativos da temporada passada sejam, provavelmente, estes dois:A empresa Scandinavian Ascents, notoriamente ruim em planejamento e com a filosofia de subir todos os picos em estilo alpino –o que por acaso, seria fantástico-, realiza suas expedições com clientes que são admitidos sem exigir nenhuma experiência prévia em montanha.
No verão de 2007, seu planejamento marcou um novo registro negativo que será difícil de superar: ficaram totalmente sem comida, e tiveram que subir uma cabra viva para que a sacrificassem no campo base.
A empresa Seman Travel Service, que habitualmente tem problemas para organizar um tour de 3 dias no deserto de Taklamakan, também quis entrar no negócio este ano. Uma tarde, o gerente da companhia se aproximou e me perguntou: “Meus clientes para o Muztagh Ata chegam esta noite Saberia que tipo de barracas necessitarão na montanha?”
Fonte: Janne Corax, www.mounteverest.net, Barrabes
Fotos: Maks Bogatirev
Retirado de: http://www.altamontanha.com