Escalando um A4 no Half Dome na via Queen of Spades
Tempo de leitura: 4 minutos
Por Nicola Martinez
Minha história com Queen of Spades vem desde 2004 quando eu vi o croqui no livro do Half Dome. Depois de tanto tempo veio a chance de escalar, mas infelizmente um acidente vai retardar um pouco mais esse sonho.
Nick jumariando as 2 primeiras cordadas, que havia fixado no dia anterior
Minha chegada em Yosemite foi bacana, cheia de intensidade, neve derretendo, temperatura agradável, campo 4 começando e encher… Comecei a carregar minhas coisas pouco a pouco. A aproximação da parede do Half Dome não é das mais fáceis, por isso as vias não tem muitas ascensões, principalmente as mais obscuras e em estilo artificial…
Várias coisas aconteceram retardando o começo da escalada. Quando estava com tudo pronto pra começar, coletando água e contando a comida, percebi que me faltavam algumas peças e mais garrafas para hidratação.
Alguns escaladores que subiam pra fazer a rota mais popular na parede, a Via Normal do Half Dome, me disseram que uma tempestade estava por bater ali naquela noite, então montei meu portaledge a um metro da base e deixei minha proteção pra chuva (rain fly) pronta pra quando a tempestade chegasse.
Decidi dormir na base da parede. Naquele dia enquanto me preparava um urso pequeno rodeava o lugar onde eu estava, provavelmente procurando comida. Os ursos em Yosemite não são perigosos, procuram por comida, arrombam carros e barracas onde os escaladores e turistas esquecem suas respectivas comidas dentro. Mas se você grita e joga pedras, eles fogem.
No dia seguinte acordei com meu portaledge se movendo, estava frio e eu estava com minha cabeça dentro do saco de dormir. Mais uma vez meu portaledge se moveu, desta vez senti um peso grande. Tirei minha cabeça pra fora do saco e o pequeno urso estava ali, a menos de um metro de distância da minha cara, em cima do meu portaledge!
Tomei um baita susto e soltei um grito pra que o bicho se assustasse também. Acordei naquela manhã para mais alguns quilômetros e uma corrida para o vale para buscar as coisas que me faltavam pra escalada, pendurei meu haulbag com toda minha comida a alguns metros do chão, pois sabia que o urso voltaria por ali. Desci esperando começar a escalada no dia seguinte.
A tempestade veio com um dia de atraso e o que era pra ser uma descida rápida ao vale acabou sendo uma semana no chão esperando o mal tempo passar. Enfim, bom tempo novamente! De volta à base da parede me encontrei com o amigo que subia também para o cume, mas pela trilha. Ele estava indo para praticar outro esporte, que não posso mencionar, mas vocês sabem do que eu estou falando!!!
BASE JUMP…
Cheguei à base da parede e tive minha segunda surpresa na escalada: Toda minha comida tinha sido devorada pelo tal pequeno urso. Achei que tinha pendurado a uma altura segura, mas não foi… Mais uma vez alguns quilômetros montanha a baixo para comprar toda minha comida.
Esperei mais 2 ou 3 dias até encontrar uma carona pra uma cidadezinha a uns 50 km de Yosemite onde as coisas são mais em conta. Enfim, comida comprada e na base da parede: Estava pronto pra partir pra mais uma aventura em solitário, sabia que ia ser difícil. Fixei duas enfiadas e tirei meus haulbags do chão com um sentimento que dali adiante tudo correria bem… Tomei uma queda de uns 6 metros, sabia que muitas outras estavam por vir, voltei pro ponto de onde cai e cheguei à minha ancoragem.
No outro dia estava pronto para a próxima enfiada da via graduada em A4 (o grau na escalada em artificial vai até A5, onde o escalador se pendura em peças que agüentam somente o peso do seu corpo para que possa ganhar terreno metro por metro, fazendo a escalada lenta e meticulosa…).
Sai da minha terceira ancoragem de peito cheio e em certo ponto cheguei ao tal bloco, testei varias peças e vi que o grande bloco não era dos mais confiáveis. Como não sou de bater chapeletas em vias alheias fiquei ali, tentando montar o quebra cabeça e imaginando como o cara que abriu a via fez. Testando a peça que me colocaria alguns degraus acima dos meus estribos senti o bloco pesando e vindo em minha direção, instintivamente me encolhi e esperei.
Tudo aconteceu muito rápido… O tal bloco levou parte do meu capacete, atingiu minha mão que sangrava, bateu no meu joelho, o que foi minha salvação, pois se ele continuasse caindo parede a baixo, certamente iria direto à minha ancoragem cortando minha corda de segurança.
Depois do susto, um sentimento de dor e frustração ao mesmo tempo. Voltei para a minha ancoragem tendo que me auto-resgatar na parede com uma mão e meia, e ainda tendo que tomar todo o cuidado para não deixar equipamentos essenciais cair parede a baixo.
O que era pra ser um procedimento rápido acabou se estendendo por horas e horas de dor.
Sabendo que teria que estar focado pra minha volta em terra firme, deixei tudo na base. Minhas cordas fixas ficaram na parede, pois não tinha condições de lidar com tudo aquilo. Desci para o vale para cuidar dos ferimentos.
Minha mão ainda está em fase de recuperação mesmo depois de três semanas após o acidente. As feridas pouco a pouco se cicatrizam, mas ainda sinto uma dor aguda no tendão na mão esquerda.
Agora, o que me resta é ser jogado de aviões e objetos fixos (base jump) até que me sinta 100% RECUPERADO e possa voltar para as paredes de Yosemite no outono. A costa oeste dos Estados Unidos esta passando pelo pior incêndio nos últimos 15 anos. Volto pra Yosemite no outono com temperaturas mais agradáveis. Rumando pra Squamish no Canadá, a viagem. O que não me derruba fortalece!!!
Paz a todos.
Fonte: http://www.altamontanha.com/colunas.asp?NewsID=418