Mãos à rocha

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Por Edu Petta (www.vidasimples.abril.com.br)

Contato com a natureza, muita concentração e confiança no parceiro: a escalada é um esporte que pode te levar às alturas.

Fim de semana em Atibaia, interior de São Paulo. Lugar cheio de montanhas e pedras, perfeito para escalar. Mão após mão, perna após perna, o músico paulistano Carlo Pinheiro, 28 anos, sobe pela rocha, movendo o corpo para cima. Suspenso a alguns metros do chão, Carlo está grudado pelos dedos feito lagartixa na parede, ziguezagueando pela rocha, à procura da melhor fenda para elevar seu corpo. Seus camaradas o orientam e uma pessoa dá apoio segurando a corda de segurança. Finalmente, após muito suor, força e equilíbrio, o prazer da glória: a conquista do topo, a natureza a seus pés. Tempo de voltar para casa. Corpo tinindo e esperto depois da atividade, mente também. “Ninguém retorna o mesmo após uma escalada”, diz Carlo.

A rotina do músico durante a semana na capital paulista é bem diferente. Trabalha durante o dia e à noite vai para um ginásio de escaladas no bairro de Perdizes, a Casa de Pedra. Entra, se troca, veste a cadeirinha de escalada, aperta o mosquetão na corda mestra e sobe pelas paredes. São diferentes vias, mais de 100, de todos os níveis de dificuldades, que desafiam o escalador a treinar para o que vai encontrar na pedra, preparando o corpo e desenvolvendo as habilidades, a técnica e a força necessárias para o esporte.

Carlo é novo na escalada. Começou em maio de 2008 e logo se apaixonou pela atividade. “Descobri como o esporte era bacana, me adaptei rápido e não parei mais.” Hoje se considera um privilegiado. “Sem contar o ótimo condicionamento que a atividade me proporciona, treino pensando no momento de ir para a natureza, escalar, curtir e admirar. Sem esquecer o mais importante: respeitar a montanha.”

O respeito pelas montanhas e grandes rochas caminha junto com a humanidade. Do medo e do desejo de superar seus cumes – e assim estar mais perto das divindades e do céu – nasceram as escaladas, ao natural. Mas, por causa da possibilidade de cair, surgiram os equipamentos de segurança. Primeiro com materiais rudimentares, como cordas de cipó e escadas de madeira. Após a revolução industrial foram criados grampos que perfuravam e danificavam as rochas e pesados cabos de aço. Até chegar aos dias de hoje, com uma parafernália de equipamentos modernos e leves.

No Brasil, a escalada começou a fazer sucesso em abril de 1912, quando cinco jovens de Teresópolis, após seis dias de esforços, pisaram pela primeira vez o cume do Dedo de Deus, na serra dos Órgãos. Era o início do montanhismo, que imediatamente ganhou novos adeptos. Animada, a juventude carioca passou a desafiar as rochas e cumes ainda virgens da capital fl uminense – de privilegiada geomorfologia, com grandes e verticais paredões, como a Urca e o Pão de Açúcar. De lá para cá, o esporte evoluiu muito. “Vivemos uma real revolução na escalada nacional, com novos pontos sendo descobertos e equipados como nunca, vias sendo estendidas, projetos sendo abertos”, diz André Berezoski, o Belê, campeão paulista e brasileiro indoor – que faz coisas com o corpo que só vendo para acreditar.

Confiança por um fio O desafio dos limites, a dança de rara elegância e o corpo humano em movimento dos escaladores inspira muita gente. Por vezes, uma família inteira, como a Makino Shiraiwa. Há dez anos, o pai, Goro, 53, geólogo formado na USP, divide seu tempo entre a empresa de móveis e os treinos no ginásio da Casa de Pedra, onde também pratica sua esposa Mieko, 50, e as filhas Ana Luiza, 25, e Thaís, 20. A família sempre teve o hábito de fazer atividades ao ar livre e acampar, até que, numa viagem, descobriu a pedra do Baú em São Bento do Sapucaí, cidadezinha paulista encravada na serra da Mantiqueira e meca do esporte no Brasil. Assim que a filha Ana viu o movimento dos escaladores, quis fazer também. Começaram a frequentar um ginásio em São Paulo, onde conheceram outros escaladores e passaram a fazer, dos fins de semana, pura diversão nas rochas. “Praticar o esporte juntos aumentou a cumplicidade da família”, diz Goro. “Gostamos da mesma coisa e, apesar da diferença de idades, nos entendemos muito bem”, completa a esposa Mieko.

Essa união entre os escaladores – familiares ou não – é bastante comum na tribo. “O esporte nos une, pois um dá apoio para o outro. Ao entregarmos a corda de segurança, colocamos também a confiança da nossa vida na mão do próximo.”

A rocha ensina

A confiança, a atividade saudável e o contato com a natureza não são os únicos benefícios da escalada. Para o carioca André Ilha, um dos maiores atrativos do esporte é o sabor de aventura e a incerteza do resultado nas ascensões. “O objetivo não é apenas completar uma via, mas extrair dela experiências enriquecedoras”, diz ele. A rocha está sempre ensinando. “Aprendi a me concentrar no que estou fazendo e é isso que leva ao sucesso em empreitadas que pareciam impossíveis”, afirma Eliseu Frechou, experiente guia de montanha de São Bento do Sapucaí – com a bagagem de quem já conquistou diversas vias tupiniquins, assim como as dos desafiantes paredões do El Capitán e do Half Dome, ambos no Yosemite, EUA. Segundo o guia, o iniciante precisa ter ao menos um pouco de preparo físico. Mas sua dica para quem quer começar é procurar sempre um bom profissional que possa lhe ensinar todas as técnicas com segurança e o conhecimento de tudo o que envolve a escalada em rocha. Para os bons escaladores, a escalada está sempre ensinando lições de humildade. E, assim como na vida, não se deve pular degraus.

O impossível possível

Contanto que a pessoa esteja em boa condição física, é possível a qualquer um escalar uma montanha de nível mais fácil. À medida que a rocha fica mais lisa, haverá fendas finas com pouco espaço para se segurar, saliências que necessitam de uma força incrível para se atravessar e ventos que fazem a subida mais desafiadora. Aí sim é preciso muita prática e treino.

Mas não é preciso ser radical para ser feliz na escalada. Uma prática indoor em paredes artificiais de algum ginásio na sua cidade pode proporcionar grande adrenalina e alegria. “Eu não aconselho as pessoas a ir direto para a rocha sem um curso, mas para treinar aqui no ginásio e entender o desafio é só começar”, diz Mieko Shiraiwa.

Sendo assim, resolvo testar. Olho para cima do paredão vertical de 14 metros lotado de agarras. Um rapaz com mais cordas enroladas no ombro que o Homem-Aranha faz malabarismos com o corpo escalando as paredes de um ginásio em São Paulo. Carlo Pinheiro segura a corda para mim e diz: “Pode subir”. Dou a primeira pernada, parece algo impossível. A segunda, a terceira, outras mais e, surpresa: alcanço o topo descendo suavemente com a pessoa do apoio segurando a corda, em rapel. “Agora uma mais difícil. Procure seguir só as agarras com as marcas pretas”, diz Carlo.

Lá vou eu. Após uma hora subindo e descendo, duas novidades. A primeira: meu antebraço parece um tijolo. A segunda é mais legal: descubro que, sim, é possível se equilibrar na parede com partes do corpo que raramente utilizamos, achar a calma nas alturas e subir – como na música do velho Tim Maia – “lá no alto”, para ver que nem é preciso tanto esforço assim para escalar. Basta adaptar o corpo e ampliar as possibilidades, por exemplo, usando mais a força das pernas que a dos braços. Manhas e artimanhas que o tempo e o treino podem ensinar. Ou, como diria o sábio chinês Confúcio: “Quem quiser escalar uma montanha, que comece por baixo”. E com a mão firme na rocha.

Foto: P.-A. Chouvy (www.photo-tropism.com)

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