Relato da escalada do “17 de Julho nos Cinco Pontões” em 2002

Tempo de leitura: 10 minutos
Hoje me surpreendi quando um o Marcos Palhares ‘Tatu’ encontrou na net um relato que escrevi em 2002 quando havia realizado essa escalada. Não lembrava de ter publicado isso na rede… mas ao reler, me fez recordar de como foi uma incrível vivência essa escalada, que só foi concluída na terceira tentativa após muita força de vontade. Me recordo que essa ‘escalada de aventura’ me fez aprender muitos valores do Montanhismo…


A Foca, Filhote, Língua de Boi, Pontão Rachado e Pontão Maior formam o majestoso Cinco Pontões. Foto Vanderlei Zermiani.


Reproduzo abaixo o relato, sem tirar nem pôr uma vírgula, com algumas fotos de época que resgatei. É engraçado perceber que com o passar do tempo até a forma de escrever muda… e 10 anos passados dessa escalada, hoje esse relato teria outras palavras e colocações. Mas se recordar é viver, que assim seja!



ESCALADA DA AGULHA 17 DE JULHO
CINCO PONTÕES

Laranja da Terra – ES
09 de Agosto de 2002

Texto: Oswaldo Cruz “BALDIN”

      
Localizado no município de Laranja da Terra, ES, o conjunto rochoso dos Cinco Pontões com certeza é uma das formações mais imponentes e curiosas que já escalei.

Olhando para sua face sul, mais precisamente da casa do nosso grande amigo Jocimar Casagrande, mais conhecido como Alemão, visualiza-se cinco grandes agulhas que foram batizadas de: (da esquerda para direita) Foca, Filhote da Foca, Língua de Boi, Topão Rachado e Topão Grande.

Em um vilarejo localizado bem próximo ao “Pedrão”, chamado de Patrimônio, se tem uma visão espetacular de uma grande muralha de cor amarelo-alaranjada com paredes com cerca de 400 metros de altura. De seu cume despontam outras agulhas impressionantes como o 17 de Julho, o Pontão Casagrande, o Pitoco do Alemão, etc.

O 17 de Julho impressiona, pois o olhando de perfil, é uma fina agulha que se estende para fora do paredão a mais de 400 metros de altura.


 
O “17 de Julho” visto do Pontão Maior. Foto Oswaldo Baldin.



A IDÉIA

Quando eu visitei os Cinco Pontões pela primeira vez em 99, estava na grande companhia do Eduardo Poltronieri “Filósofo”, que já conhecia bem o local, e também com o Emerson Pedrosa.

Nesta ocasião, depois de 8 horas de escalada árdua, em grampinhos Salewa de ¼ do início da década de 70, eu e o Emerson assinávamos a quarta repetição da via da Língua de Boi em um cume maravilhoso, assintindo ao pôr do sol. Chegamos na base as 21:00hs depois de chatos e complicados rapéis diagonais.

Satisfeitos ao máximo com a escalada, ao voltarmos pela estradinha, paramos no patrimônio, somente para uma grande coisa, nada mais nada menos que contemplar aquela enorme parede com o 17 de Julho apontando para o céu. Olho para a cara do Filosofo, ele olha pra minha, e não precisou dizer nada, nossos pensamentos eram os mesmos, aquele era o nosso próximo objetivo ali.


AS TENTATIVAS

O cume do 17 de Julho recebeu seres humanos pela primeira vez em 17 de julho de 1970, daí o nome da agulha. Eram eles: Carlos Braga “Paulista”, Luis Penna Franca “Penacho”, Rodolfo Chermont, José Carlos Almeida da Silva e Jean Pierre.

Por informações que tínhamos, aquele cume havia recebido somente três repetições nesses anos todos. O por quê? Depois que se esta na base da via, a escalada é tecnicamente bem fácil, mas o grande problema é chegar lá na base.

Depois de trocar idéia com alguns amigos, soubemos que haviam três acessos para se chegar ate lá: pela chaminé que corta o Pontão Rachado por trás, pelo grande costão do Rachado também por trás, ou um acesso pelo cume do Topão Maior, que se segue em uma sequência de rapéis.


 
 Em outra ângulo da montanha, o 17 de Julho é essa agulha mais alta da esquerda. Foto Vandelei Zermiani.



1ª INVESTIDA

Era 11 de Outubro de 2000. Passamos na casa do Alemão de Itaguaçu e recrutamos o Cássio, filho do Alemão, e seguimos para os Cinco Pontões.
Escolhemos tentar a aproximação pelo costão, e por volta das 10:00hs começamos a caminhar passando por trás da Foca, Filhote e Língua de Boi até chegarmos na base do costão.

O Cássio e o Gustavo “Cabeção” só nos acompanharíamos até ali. Então partimos debaixo de um sol realmente massacrante, com mochilas pesadas… vimos que o progresso não estava sendo dentro do planejado, e ai, por motivos de forças maiores abandonamos a montanha.


2ª INVESTIDA

Agora a sede de fazer aquele cume havia aumentado, e foi ai que rumamos dentro de um jipe Niva em direção a Itaguaçu. Estavam comigo nessa empreitada o Eduardo Filósofo, Elpídio, Marcão e Robson “Curandeiro”.

Havíamos combinado de encontar com o Alemão e o Cássio em sua casa em Itaguaçu, mas quando chegamos lá, para nossa grande surpresa, cadê os caras? Estava rolando uma festa na cidade com o nome, olha só: Concurso da Vaca Leiteira.  Puts que rock! Os caras já deviam estar doidão e amanhã teríamos que escalar. Está bom, vamos lá achar os caras!

A festa estava boa pacas! Muuuuuuita vaca leitera, enfim… curtimos o rock um pouco e fomos para a casa do Alemão descansar o esqueleto.

Na manhã seguinte rumamos para os Cinco Pontões e o Alemão e o Cássio nos guiaram pelas estradazinhas de chão até perto do topo do Pontão. Dessa vez tentaríamos a aproximação pelo Topão na seqüência de rapéis.

Na base do costão, sai guiando os seus 100 metros em uns cristais meio podres, sem proteção, mais nada muito técnico (só num pode cair!), fixei a corda e logo estavam comigo naquele cume.

Continuamos a aproximação, fazendo um rapel de 50 metros, depois uma travessia em um colo que liga o Topão com outra ponta que visualizei uns grampos. Daí tínhamos que fazer uma escalada de uns 30 metros nesse pontão, rapelar mais uns 50 metros para só então chegar na mata que dá acesso ao 17 de Julho.

Não rolou por dois motivos, estávamos com poucas cordas e teríamos que deixar algumas para retornar jumareando, e outra, estávamos com pouco tempo, tínhamos que voltar para Vitória.

Tá massa então, fazer o que né! Só nos restou dormir naquele cume maravilhoso, passar uma noite muito fria e ver o belo nascer do sol por entre a neblina que nos cobria intensamente.

 
 Cássio, Baldin, Filósofo e Damian em 2002.
Este local é onde finaliza o costão do Rachado.



3ª INVESTIDA – AGORA FOI!

É, já que a montanha não saiu de lá, partimos no dia 09 de agosto de 2002 rumo aquela agulha “difirci demais da conta” de chegar. Dessa vez me acompanhava o Filósofo e o Damian.

Na noite de sexta rumamos para Itaguaçu. Lá o Cássio já nos esperava , ele também iria conosco, e o melhor, ele já havia realizado essa escalada juntamente com seu pai e o Tinzinho, todos escaladores locais e grandes conhecedores da região . Eles fizeram a 3ª repetição do 17 de Julho, quando o Cássio tinha apenas 11 anos!

Beleza, toca pra frente e vamos embora. A noite estava muito bonita e a silhueta dos Cinco Pontões impressionava e nos fazia imaginar mil coisas.

Chegando na casa do Alemão Casagrande, o barulho acabou acordando o pessoal, mas como sempre, fomos muito bem recebidos pela Iza, esposa do Alemão que prepara um rango nota 1000! Fomos convidados para dormir na casa, e ai foi encostar o esqueleto durante poucas horas para a empreitada de amanhã.


A APROXIMAÇÃO

Eram 4hs da matina, do dia 10 de agosto, sabadão, e a minha agenda eletrônica estava gritando ao máximo. Todo mundo de pé, água na cara pra acordar, uns biscoitos no estômago para enganar, e as 5hs iniciamos a grande jornada de aproximação até a tão almejada base da Agulha 17 de Julho.

Dessa vez escolhemos subir pela Chaminé do Rachado, no final das contas, o que rolou é que tentamos todos os três acessos nas diversas investidas.

Seguimos em direção a Foca, depois passando pelo grande teto do Filhote, em seguida pela Língua, e chegamos nas costas do Rachado. E ai uma dúvida:
E ai Cássio, é qual das duas chaminés?
Hiiii, num lembro!
Depois dele colocar a mente para voltar há oito anos atrás quando esteve lá…
Há, é essa aqui da esquerda!

A chaminé começa com muita vegetação e espinho de sobra. Depois de uma travessia horizontal, continua-se com alguns trechos de trepa mato mesclados com algumas escaladinhas curtas em chaminé média, mas naaaaaaada muito técnico, tudo bem fácil. O que atrasava as vezes é que alguns trechos estreitos dificulta demais a passagem das mochilas.

Já chegando ao final da chaminé, tinha uma laca gigante sobreposta por cima de nós, no qual tive que passar guiando por um estreito buraco para fixar a corda, onde o resto da galera subiu contornando por fora da laca.
Depois começa uma vegetação com muitos cipós e aí, graçias, e já estávamos fora da chaminé, depois de 300 metros de extenção. Não, corrigindo: 300 metros de ralação.

Nessa hora o sol já começava mostrar seu poder. Encontrávamos num matagal fechado e seco ao extremo, fazia muito tempo que não chovia na região.

O caminho se segue para a esquerda nesse matagal até chegar em uma grota onde é possível encher os cantis em períodos de chuvas, mas como já sabíamos de como estava o clima na ocasião, fomos armados com bastante água.

Achamos uma sombra show e paramos durante 30 minutos para ingerir algo e tormar uma excelentíssima Coca–Cola muito bem merecida, pois foi paulera direto até ali.

Seguimos por dentro de uma grande canaleta onde rola uns sinais que em períodos de chuvas o bicho pega. E quem pode comprovar isso é o Filosofo, que passou um grande sufoco em 95 quando estava por ali com mais cinco amigos dentro de um buraco para fugir da chuva. A chuva aumentou muito e onde eles estavam virou uma piscina e uma cortina de chuva os cobriu, formando uma cachoeira na porta do buraco que os impediam de sair.

Então. Subimos por um estreito buraco onde tem uma pedra solta e enfim saímos na canaleta e chegamos no costão do Rachado. É nesse ponto que o nosso caminho se encontra com o caminho de quando se vem subindo pelo grande costão, daí os dois se seguem pelo mesmo rumo.

Depois de um trecho não muito longo pelo costão, que apresenta muitas bromélias, chegamos na tão desejada mata que nos levaria para o 17 de Julho.

Faltava pouco, estávamos com tempo de sobra para chegar lá e quem sabe até tentar realizar a escalada hoje mesmo. A ansiedade começava a bater forte.

Entramos na matinha e o Cássio foi lembrando do caminho que havia feito há oito anos atrás. Em certo ponto fomos bem para a direita até encostar na pedra e daí começamos a caminhar ao lado de um grande bloco em uma subida íngreme com muita pedras soltas.
O Cássio grita:
Galera, a base esta ali!
Ufá, gracias muchacho, chegamos, aquele agulhão estava ali, bem à nossa frente. Foi difícil mais conseguimos chegar até lá.

Eram 17hs, foram totalmente cravadas 12 horas de muita, mas muita ralação, num total de aproximação, entre caminhada em pastos, rampas, chaminés, mato fechado, canaletas, costões e mata… mas estávamos ali, e só nos restavam mais 100 metros de escalada agora, e estaríamos no cume da Agulha 17 de Julho.


A ESCALADA

Poderíamos até descansar e pernoitar para escalar no outro dia, mas a secura de chegar no cume era muita.

Me equipei rápido com o mínimo necessário e perguntei ao Cássio por onde saia a via, pois não é muito lógico.
Ai Baldin, num lembro!

Não perdi tempo, subi por umas enormes moitas de bromélias, passei um lance técnico em cristaizinhos quebrando ao máximo, joguei no bicho e subi em uma direção. Sai esticando corda e nada de grampo.

Fiz uma diagonal para esquerda e nada de grampo, e eu já tinha escalado uns 30 metros sem proteção alguma, e o chão seria o único local que eu pararia se caisse. Passei uma fita na base de um pé de gravatá da largura de três dedos só pra dizer, que mal agüentava a costura, e toquei pra cima.

Olha só, e quem esta ali? O grampo!
Segundo o Cássio eu pulei a primeira proteção que ele não lembrava onde estava, mas olhei pra tudo que é lado e não achei.

Logo depois desse primeiro grampo existe outro por onde se sobe dentro de uma fenta com vegetação e se chega a uma parada dupla.

Fixei a corda e o Filósofo chegou até a mim. Depois de tanto tentar insistir para o Cássio subir, não teve jeito, o cara não queria, mas beleza, também ele já havia feito aquele cume.

Enquanto o Damian subia, parti para guiar com o Filosofo me dando segurança. Subi por dentro de uma fenda com muita vegetação, e também muito fácil, até chegar num platô. Depois da parada não tem mais grampo em uns 20 metros, só no cume.

Faltava pouco, o cume estava a dez metros. Resolvi que eles subiriam até ali para continuarmos. Como não existia grampo no platô, sentei me estabilizando e os caras subiram preso em mim.

O sol já estava se pondo, tínhamos que assistir aquele espetáculo lá de cima. Continuei guiando, passando por uns cristais à direita, dominei um platô e depois de alguns passos estava no cume.

Logo o Filósofo e o Damian chegaram e ai foi curtição total. O pôr do sol estava lindo, e a nossa frente, lá embaixo, a Vila do Patrimônio. Estávamos em cima daquela agulha que despontava pra fora de um paredão de 400 metros, foi espetacular estar naquele cume.

O livro de cume deixado pelo Cássio, Alemão e Tinzinho, estava bastante deteriorado, pois a marmita estava toda amassada e aberta, provavelmente um raio. Deixamos uma folha com alguns dizeres registrando nossa quarta repetição desde 1970, 32 anos de conquista do 17 de Julho e poucos estiveram naquele maravilhoso cume.

Com dois rapéis de 50 metros estávamos de volta a base e a tarefa estava cumprida, aliás, quase né, pois restava a volta, mas isso era coisa para amanhã…

O Cássio já havia preparado um local para pernoitarmos apenas com o saco de dormir, eliminamos a barraca pelo peso.

A noite estava linda, nenhum sinal que São Pedro nos daria um banho. Comemos, proziamos um pouco, boa noite e até amanhã.


No cume do 17 de Julho… ainda bem que 10 anos fazem ‘a’ diferença, rs.


A VOLTA

Depois de uma noite muito bem dormida, os raios de sol já batia em nossas caras para nos fazer lembrar que teríamos um longo caminho de volta.

Recolhemos as tralhas, mochilas nas costas e vamos embora. Tchau 17 de Julho e até uma próxima vez. Aliás, ali ainda existe mais outras duas pontas conquistadas no qual voltaremos para fazer: O Pitoco do Alemão e o Topão Casagrande.

Resolvemos voltar pelo longo costão do Rachado, pois a descida pela chaminé seria beeeeeeem mais demorada  e desgastante.

O costão não é nada muito difícil, porêm precisa estar atento, pois não existe proteções fixas e um desequilíbrio qualquer, baí, baí. Em alguns trechos há muitos cristais quebradiços, muita calma nessa hora! Existe bastante vegetação que permite algumas paradas, e se você quiser utilizar a corda… sirva-se.

Lá pelas 11hs já tínhamos terminado o costão., Agora era voltar margeando as outras três pontas, o mesmo caminho da ida, até o pasto, e depois chegar na casa do Alemão.

Chegando lá, estávamos literalmente arregassados e esfomeados ao máximo. A guela pedia uma cerveja urgente!

Colocamos as bujingangas no carro e fomos correndo para Itaguaçu. Quando chegamos na casa do Cássio, como sempre, o Alemao já estava nos esperando com um almoço show, um churrascão, e muita cerveja. Ai foi só alegria.

A tardinha pegamos a estrada pra Vitória, altamente contentes pela Vitória!

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