Relato sobre uma Falésia com agarras cavadas

Tempo de leitura: 6 minutos

Por Rodrigo “Genja” Chinaglia

Conversando com alguns escaladores aqui na Itália, pude observar que as falésias com agarras cavadas apesar de existirem, não são muito populares. Quando se fala numa falésia, praticamente o que diferencia entre ela ser um lugar mais ou menos, ou um lugar massa de escalada, é se há agarras cavadas. Na região que estou atualmente, não há academias nem points de escalada. Mas há uma pequena falésia há mais ou menos meia hora cheia de agarras cavadas. E pude ir lá e observar o que foi feito. Não é só de agarras cavadas que se “estraga” um lugar. Poluição visual, má grampeação, entre outras coisas, também podem tornar um lugar belíssimo numa falésia de segunda. Não tive a oportunidade de conversar com os locais especificamente sobre todas as coisas que vi nesta falésia, porém, com todos que eu falava, as agarras cavadas eram o que tirava o brilho do lugar. Aqui é outro país, com outra história, outra cultura, então vou tentar não julgar a atual situação do local, apenas evidenciar o que aqui existe, e fazer um paralelo com a ética da comunidade escaladora brasileira, da qual eu sim faço parte, fornecendo mais argumentos na discussão entre cavar ou não agarras.

O Local
Logo que se chega no local, a primeira impressão que se tem é: “Puts! Maravilhoso!” O lugar é muito bonito, as vias ficam na sombra, tem um caminho que passa próximo as vias e há outros frequentadores que vão lá só pra passear. Há árvores em volta, os escaladores montaram banquinhos com troncos (similar ao que tem na sala de justiça na serra do cipó) utilizando tocos de corda velhos. Porém logo que se bate o olho na parede dá pra notar que tem alguma coisa errada. Eu pelo menos não estava acostumado com toda aquela poluição. Se pra eles é normal, é bonito, eu não sei, la no Cuscuzeiro ou na Invernada não tem isso e ainda bem!

Os impactos
A parede é cheia de fitas, correntes, e costuras abandonadas. Em algumas vias foi adaptada com tocos de corda uma terceira costura entre outras duas, deixando um monte de corda pendurada na parede.

Tocos de cordas para criar mais pontos de ancoragem
Fitas abandonadas nas paradas criando grande impacto visual

Em alguns lugares do Brasil, durante um feriado prolongado, alguns escaladores costumam deixar suas costuras numa via que estão tentando a cadena por vários dias, mas depois no último dia, as recolhem. Não é o caso, pois as duas vezes que fui na falésia, não tinha ninguem, e nem era feriado. Uma característica do lugar que talvez tenha propiciado o cavamento de agarras, principalmente até 2m de altura, seja o fato de até esta altura, não haver agarra natural nenhuma. É como se houvesse uma extratificação, e até 2m de altura fosse um tipo de rocha, liso, e dali pra cima, outro, pleno de agarras.
As vias começam a 2mts de altura aproximadamente


Aparentemente aquilo pode ter sido fonte de extração de rocha centenas de anos atrás para construção de casas, porém, não é muito evidente isso (não há marcas de escavação, quebras abruptas na rocha, marcas de grandes brocas, talhadeira nem nada do tipo). O que me faz pensar que isso talvez tenha ocorrido é porque os 2 setores (que são como o setor 1 e 2 de Itaqueri, só que distantes um do outro apenas 100m) são diferentes. O segundo não tem essa “extratificação” até 2m de altura, então talvez realmente o primeiro tenha sido alterado em algum ponto da história.

O que mais assusta, é que de uma pequena gruta que há embaixo de uma das vias, foram cavadas dezenas de agarras para se criar um “teto” escalável antes de se entrar na via. São quase 10m de agarras cavadas.

10mts de agarras cavadas na saída da gruta


Em muitas vias, existem tocos de corda para que o pessoal mais baixo ou mais fraco acesse as primeiras agarras, que normalmente estão há mais de 2m de altura. Isso quando não foram cavadas várias agarras para que se fizesse a saída.


Tocos de corda na saída das vias

Agarras cavadas criando uma saída mais fácil para a via

Costuras deixadas na parede


As conquistas
Mas como eu disse, não só de agarras cavadas que se tira a beleza de um local de escalada. Há algumas vias que passam lado a lado, cuja distância entre as chapeletas de uma e outra chega a ser de menos de meio metro!
2 vias, proteções muito próximas!

A 1,5m de altura 10 furos numa área de 1m2

Mas uma coisa que eu realmente não consigo entender até agora é o porque de tantos furos, com spit, bolt, etc… na altura da cintura do seg, num local que é plano e não tem perigo de se cair para trás.


Mais furos próximos a 1,5m de altura

A unica explicação que eu vejo é que quando eles iam abrir uma via, treinavam colocar as proteções no chão primeiro. Há locais com 3, até 4 furos num raio de 30cm.
Uma parada na altura do chão?

Em outro, há uma parada com chapeletas arredondadas (químicas) a 40cm do chão. Talvez para dar seg, para se ensinar alguem a montar uma parada? Na falésia? Duvido que se um pino desse custasse 15 ou 20 euros como no Brasil, que se paga 20 reais (pelo menos) num chumbador como este químico com seção arredondada, teriam colocado esta parada ali.

Croqui? Não precisa!


Os croquis
No melhor estilo Mario Arnaud de marcar com tinta no pé das vias o nome e o grau, aqui também tem marcado com esmalte os nomes das vias, e em alguns locais até o croqui, dizendo o nome de duas vias que saem juntas e se bifurcam na metade.


Legenda da via, e se não manda, pega na corda!

Não precisa nem levar croqui impresso! Que facilidade, isso que é evoluçao da escalada! Brincadeiras a parte, provavelmente essas marcações são antigas, assim como a maioria das coisas que no Brasil consideraríamos erradas, pra não dizer absurdas. Talvez num início da decada de 90 quem sabe, quando as conquistas estavam a milhão, não havia tanto essa consciencia ambiental como nos dias de hoje. É claro, não se pode generalizar dizendo que todos os locais de escalada da europa são feios. Eu só fui em uma falésia, então só estou descrevendo e mostrando como é feio e como seria ruim para o Brasil fazermos coisas como estas em nossas falésias.


Aqui também tem gente ignorante…

Que os italianos não fiquem bravos comigo, mas tento transformar em exemplo positivo de “o que não fazer”, um pico que na ótica de um Brasileiro seria só coisa errada. Aprendemos com os erros. Eles já cometeram seus erros, e toda comunidade escaladora parece que aprendeu com isso, não queiramos nós repetir os mesmos erros que eles para chegar ao “patamar” em que eles se encontram. Pra isso acontecer seria necessário primeiro falar em política financeira, juros, etc… E sinceramente, disso eu não entendo, então, bora escalar!

Fonte: http://tradfriends.com/2009/06/05/relato-de-uma-falesia-com-agarras-cavadas/


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