Uma Conquista de Elevo Pleno

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Pedra Arariba em São Domingos do Norte, ES. Foto Oswaldo Baldin.

A ideia de conquistar uma segunda via em São Domingos do Norte era justa, mas a escolha do horário para iniciar tal empreitada não foi nada inteligente. Às 12 horas em pleno verão norte capixaba! Mas engolimos o desânimo, colocamos as mochilas nas costas e fomos arcar com as consequências de termos enrolado, acordado tarde, enrolado e enrolado.

Após a aproximação de cerca de 20 minutos pasto acima nos derretendo em suor, chegamos na mancha branca que havia mirado como a linha óbvia (?) da via. Já havia mirado este objetivo uns dias antes quando fui sondar a parede ao longe, da estrada.

Aproximação no sol à pique!

Mas quando a gente “encosta a mão na pedra” muitas vezes a realidade muda, num é mesmo? E toma tapa na cara! A tal mancha esbranquiçada era musguenta, suja e com uma grande moita de cactos logo no início. Uma recepção de linha nada convidativa. Proposta descartada!

Poucos metros à direita uma linha realmente convidativa chamou a atenção, ainda mais agregada à condição de formar uma grande área sombreada na base. Essa aglomeração de árvores marcou então o início da via.

Sempre na busca da otimização nas conquistas… pensei, matutei e criei a Charrêta: chave + marreta. Testada e aprovada! Foto Ghiany Loss.

Equipados e com a nova “arma” de conquista na cadeirinha, a “Charrêta”, parti pela rocha recebendo a seg atenciosa da Ghiany. Nos primeiros metros a aderência já mostrou as caras, e veio se consolidar ao longo da conquista como o estilo predominante da via.

Como Ghiany e eu temos buscado descobrir locais para abrir vias pelo entorno de São Gabriel da Palha, para incentivar a escalada neste e nos municípios vizinhos, a ideia desta conquista na Pedra Arariba era o de abrir uma via que ficasse bem protegida, afim de ser convidativa aos escaladores iniciantes como um pontapé nas tradicionais. E no final da conquista este plano se concretizou, sem variáveis.

Conquista da segunda enfiada. Foto Ghiany Loss.

Após passar uma leve barriguinha (IVsup) na primeira enfiada, mirei uma pequena fenda e tentei proteger com um friend… na verdade uma peça do par de Link Cam (os “transformes” da Omega Pacifc) que carrego como “coringas” quando entro em vias que desconheço.

Mas o coringa dessa vez ficou uma bosta, pois a – pseudo – fenda não era favorável para proteger. A ponto que no rapel optei em bater uma chapa à esquerda para deixar a enfiada segura.

Conjunto das paradas em inox: Rings da Smile + Pingo da Bonier. Foto Oswaldo Baldin.

Outra coisa que decidimos previamente foi o de bater paradas intermediárias, à cada 30 metros no máximo, para possibilitar o rapel com apenas uma corda.

Às vezes tomo este tipo de iniciativa ao abrir vias de até 200 metros que vislumbro a possibilidade de gerar um certo fluxo de repetições, para assim facilitar a vida de quem só tem uma corda, e para dar a opção de não ter de arrastar parede acima uma segunda corda para ser usada apenas no rapel (em enfiadas cheias). Mas cada caso é um caso, e isso não é uma via de regra.

Ghiany na terceira enfiada… com o plano de fundo se revelando mais amplo e bonito à cada metro conquistado. Foto Oswaldo Baldin.

Voltando à primeira enfiada, que inicialmente tendenciou para a esquerda e na segunda metade para direita, estabeleci a P1 à 55 metros da Ghiany. Obs: vale levar umas 4 costuras longas (de 60 cm ou mais) para essa enfiada.

Da base não dava pra ver, mas da P1, quando olhamos para trás, uma vastidão de montanhas revelou-se ao horizonte. Uma visão impressionante da cadeia montanhosa que compõe o Monumento Natural dos Pontões Capixabas e segue sentido norte. Este visual foi uma surpresa e tanto! Nem havíamos cogitado, geograficamente, essa possibilidade. Muitas dezenas de montanhas entrelaçadas, iniciando em Pancas, se emendando por Águia Branca, Nova Venécia, até Vila Pavão.

À esquerda, a cadeia montanhosa inicia-se em Pancas e se estende por Águia Branca, à direita. Foto Oswaldo Baldin.

A medida que progredíamos na conquista essa visão ficava cada vez mais ampla. E para melhorar nosso contemplar paisagístico o calor excessivo foi dando trégua, o sol hora encoberto, e no final das contas o clima ficou até agradável. Nessas horas a gente esquece dos pré arrependimentos, rs.

Seguimos, e aos 20 metros da segunda enfiada dei de cara com um bom platô, daqueles que já desejei inúmeras vezes que aparecesse durante as conquistas para estabelecer uma parada confortável. Mas o ignorei, 20 metros era muito pouco para uma enfiada. Segui mais 20 e dei de cara com outro platô, ainda maior. Esse não deu para ignorar e estabeleci a P2.

Ao centro e mais pontiagudo está os Três Pontões de Águia Branca, e a cadeia segue à direita por Nova Venécia e Vila Pavão. Foto Oswaldo Baldin.

Com a parede mais em pé na saída da terceira enfiada, antes de furar para proteger o lance saquei a charrêta para testar a rocha e, oca! Bato pra lá, bato pra cá e tudo estava oco em uma grande amplitude de área. Tive que instalar a chapa abaixo de onde gostaria e seria o ideal, mas mesmo assim o lance (IVsup) ficou bem protegido. Para proteção a rocha estava ruim, mas para escalar está tudo ok, sem risco de desprendimento de laca.

Com 30 metros bati a P3 na borda da linha de vegetação que corta boa parte da parede na horizontal. Ghiany chegou e entramos na pequena matinha.

Quando olhamos essa vegetação da estrada chegamos pensar que seria um matagal ruim de passar. Mas felizmente nada disso, a vegetação era aberta, super fácil de adentrar e com somente uns 15 metros já encostamos na rocha novamente.

Cerca de 60 metros nos separava do final da parede, mas estávamos com tempo de sobra pois a conquista fluíra rápida. Então estiquei a corda estabelecendo a P4 num pequeno platô. Ghiany chegou e pudemos então desfrutar de um esplêndido pôr do sol do alto dos 200 metros da via que acabávamos de conquistar em menos de 03 horas.

Com aquele cenário inédito aos nossos olhos no que tange a amplitude visual de montanhas, surgiu – com uma rápida pesquisada no Google algum sinônimo para relevo (rs) – o nome da via, Elevo Pleno.

Registro de cume naquela hora fantástica para se admirar do alto, ao pôr do sol.

Essa conquista se deu um dia após meu aniversário de 4.0. Ganhei um presentão: do alto da “Elevo Pleno” fui contemplado com a maior amplitude visual das montanhas do norte capixaba que já pude observar ao longo de 26 anos escalando-as. Obrigado minha noiva Ghiany, pela disposição e forte parceria em mais essa conquista!

A montanha não tinha nome, mas como está localizada no distrito do Córrego Arariba em São Domingos do Norte foi fácil batizá-la! A via “Elevo Pleno” marca a segunda via aberta neste município, a primeira foi a “O Dia em Que a Terra Parou” (em breve post sobre).


Informações Importantes

ESCALADA: A via é limpa e muito bem protegida. Está como E2, mas boa parte tem proteção no padrão E1. Predomina a escalada em aderência, que às vezes alterna com agarras. Como a face da via toma sol praticamente o dia todo, a melhor opção é começar escalar cedo.

DESCIDA: Devido às paradas intermediárias é possível o rapel com apenas 1 corda de 60 metros.

EQUIPO: 9 costuras (4 longas) e corda de 60 metros.

O avistar da Pedra Arariba no sentido oposto do descrito abaixo: aqui na imagem, de São Gabriel da Palha x São Domingos do Norte. Foto Oswaldo Baldin.

ACESSO: À partir de Vitória siga pela rodovia BR-101 sentido norte, passando por Fundão, Ibiraçu e após João Neiva, no trevo, entre à esquerda e siga pela BR-259 no sentido Colatina. Siga pela ponte para desviar do centro de Colatina e em uma subida de pista duplicada, saia a direita e siga por uma nova rodovia que dá acesso a rodovia ES-080. Passe pelo centro de São Domingos do Norte e siga sentido São Gabriel da Palha. Num trecho de subida com pista duplicada, se atente para à direita, em meio a uma grande curva à esquerda, logo após uma placa que indica Córrego Dumer. Passe pela ponde, siga, e dentro de uma curva saia à esquerda adentrando na estrada de terra. Deste ponto já se observa a Pedra Arariba à direita. Siga por um trecho curto da estrada até a casa que dá acesso a montanha.

Para seguir pela localização do Google Maps até a casa que dá acesso à Pedra Arariba, clique aqui.

A área é de propriedade do Sr. Raul, que mora no Centro de São Gabriel da Palha, mas que na ocasião já liberou o acesso para as repetições da via. Porém, não deixe de comunicar sua passagem à quem estiver morando na casa, que no momento da escrita deste post (Set/2021) é a Dona Vitória e seu esposo.

Aproximação tranquila de uns 20 min. Foto Oswaldo Baldin.

APROXIMAÇÃO: Pode-se deixar o carro estacionado em frente a casa ou pedir para passar pela tronqueira, estacionando logo à frente na beira do lago perto dos coqueiros. A caminhada segue subindo pelo pasto, que é limpo. Suba em direção à cerca e procure um ponto em que ela sobrepõe a rocha. Atravesse-a e suba à esquerda por um curto trecho de mato e logo estará na rampa. Ao chegar na base da Pedra Arariba continue subindo margeando à direita até as grandes árvores. Neste ponto está a via, à direita da mancha esbranquiçada e com as primeiras chapeletas facilmente visíveis da base. Equipagem na sombra e boa escalada!

Todas proteções fixas são em aço inox. Essa conquistada contou com chapeletas Pingo patrocinadas pela Bonier, chapeletas Smile e parabolts subsidiados pela ACE.

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